terça-feira, 23 de março de 2010

Dia da Divulgação dos Resultados da Transplantação em Portugal - Expresso 23.03.2010

Foto: O coordenador de doação hospitalar dos HUC, Armindo Simões, ajuda a determinar se João está em morte cerebral e explica como se mantêm os órgãos do cadáver

Transplantes: A vida de quem salva vidas

Portugal - e em especial a região Centro - aposta forte na recolha de órgãos em cadáveres. O esforço dá a muitos doentes que precisam de um transplante a oportunidade de fintar a morte.

[Cristina Bernardo Silva (texto) e António Pedro Ferreira (fotos) (www.expresso.pt) ]


Parece vivo. Tem a pele corada, o coração a bater. O peito move-se como o de quem respira. Deu entrada nos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC) com um traumatismo craniano e está no Serviço de Medicina Intensiva (UMI) após vários dias sem melhoras. Os médicos suspeitam de morte cerebral, mas fazem tudo para manter as funções vitais. Motivo: o homem deitado na cama é um potencial dador.
Num país que é líder mundial na recolha de órgãos para transplante, logo depois de Espanha, os HUC foram o hospital com o maior número de colheitas em cadáveres (59), no ano passado. O segredo parece estar na identificação do circuito dos potenciais dadores. Armindo Simões é o actual coordenador hospitalar de doação - um médico intensivista com a função especial de detectar eventuais dadores no seu hospital. Uma espécie de 'olheiro', que visita diariamente serviços onde a probabilidade de haver doentes a evoluir para a morte cerebral é grande. É o caso da urgência, da sala de emergência, da neurocirurgia, do recobro anestésico. Armindo Simões fala com os colegas desses e de outros serviços, sensibilizando-os para a "causa", referencia os pacientes. "Manter um dador é um trabalho imenso. Faço-o com empenho por saber que vai dar qualidade de vida a doentes em sofrimento".
Outro serviço com potencial para a recolha é a UMI, onde está João (chamemos-lhe assim), o homem deitado na cama. O intensivista de serviço, Nuno Devesa, realiza várias provas (que terão de ser feitas quatro vezes, duas por ele e outras duas pelo neurocirurgião de serviço) para determinar se pode mesmo ser considerado um cadáver. Com os dedos, faz forte pressão nas pálpebras e no pescoço para provocar dor e, com ela, uma reacção. Sem sucesso. Aponta uma lanterna para os olhos de João, mas as pupilas mantêm-se dilatadas e fixas no vazio, indiferentes à luz intensa. Esfrega-lhe as córneas com algodão, mas João nem pestaneja. Tenta provocar o reflexo da tosse, introduzindo uma sonda na faringe. Nada. No ouvido, injecta um soro gelado para verificar se os olhos se desviam. Sem êxito. Finalmente, retira o ventilador para desencadear movimentos respiratórios espontâneos, mas João, na casa dos 30, não esboça sequer uma tentativa para respirar sozinho. A falta de resposta não surpreende. "Há uma lesão compatível com morte cerebral. Fazemos os testes quatro vezes porque somos obrigados por lei", explica Nuno Devesa, enquanto desinfecta as mãos.
Rins ficaram em Coimbra
Quando a enfermeira puxa o lençol que cobre João, este mexe as pernas, parece ajeitar-se. Logo Armindo Simões esclarece que os movimentos são "reflexos medulares que se esgotam com o estímulo". Exemplifica tocando-lhe num pé várias vezes. João leva a perna para trás, como que a responder às cócegas, e pára. Mas os reflexos que poderiam indicar que não está morto são os que ocorrem do pescoço para cima, não para baixo. "Por vezes, os familiares vêem movimentos bastante exuberantes e têm dificuldade em aceitar que a pessoa já não vive".
Depois de feitos todos os testes para determinar a morte cerebral, através de "critérios padronizados ao nível da União Europeia", é passada a certidão de óbito. Como tudo indicava, já ninguém mora naquele corpo ligado a um emaranhado de tubos. Mesmo assim, há mais médicos, enfermeiros e auxiliares à volta do cadáver do que a assistir o conjunto dos doentes da mesma sala quente, com cheiro a azedo. Está em curso um processo de morte que leva à rápida deterioração dos órgãos para transplante. Quanto mais cedo a colheita se fizer, melhor.
João perdeu o sistema de auto-regulação e tudo tem de ser mantido com a ajuda das máquinas e dos medicamentos, num complicado jogo de compensações e correcções quase ao minuto para que o ecrã ao lado da cama do cadáver mostre que o ritmo cardíaco, a pressão sanguínea e os níveis de oxigenação estão bons. João tem a glicemia baixa e recebe um soro com glicose. Para reporem o volume do sangue, os médicos usam soros e expansores plasmáticos. Fazem-se testes para apurar se existem doenças que inviabilizem a doação.
Enquanto isso, o Gabinete Coordenador de Colheita e Transplantação (GCCT) dos HUC, que cobre a região Centro, trata de obter o apoio logístico necessário à realização da recolha: envia amostras de sangue para o Centro de Histocompatibilidade, procura um receptor urgente e compatível, verifica se João está inscrito no Registo Nacional de Não Dadores. Em 2009, o GCCT, dirigido por Ana Calvão da Silva, liderou a recolha de órgãos ao atingir 45,2 dadores por milhão de habitantes, e ultrapassou mesmo o desempenho de Espanha (34,4). Na região, foram recolhidos órgãos de 112 cadáveres. Uma das explicações que a directora avança para os resultados é a aposta na recolha em cadáveres da área médica (geralmente acidentes vasculares cerebrais), já que o número de dadores da área traumática "diminuiu muito com a baixa da sinistralidade rodoviária".
Nos Hospitais da Universidade de Coimbra, o sucesso é atribuído a uma "forte cultura de doação". Em Março de 2008 (antes mesmo de existirem coordenadores hospitalares de doação), foram criadas
"normas de execução permanente para aumentar a colheita", explica João Paulo Almeida e Sousa, ex-coordenador e grande dinamizador da colheita nos HUC.
Ao fim da tarde, uma cardiologista aproxima-se do cadáver. Faz-lhe um ecocardiograma. O coração está dilatado devido ao consumo excessivo de álcool e não será aproveitado. João parece dormir. As luzes fortes por cima da cama foram desligadas. O lençol sobe e desce junto ao seu peito, 'respira' com ele. À noite, a equipa de colheita vem buscá-lo. Os rins serão transplantados no mesmo hospital, o fígado viajará até Lisboa.
TRÊS PERGUNTAS A
Maria João Aguiar, Coordenadora da Unidade de Colheitas da Autoridade para os Serviços de Sangue e da Transplantação
Qual a importância dos coordenadores hospitalares de doação para o desempenho de Portugal na colheita de órgãos?
O aumento da actividade de colheita e transplantação resulta do esforço dos profissionais de saúde, uma vez que a detecção e manutenção de um dador é um trabalho de equipa. O coordenador hospitalar de doação tem precisamente como funções, além da avaliação clínica de potenciais dadores, a sensibilização do seu hospital para a doação e como tal foi grande o seu contributo.
A que atribui a eficiência dos HUC?
Todos os hospitais da zona Centro são um exemplo para o resto do país nesta matéria. Os resultados têm a ver com bons coordenadores hospitalares de doação, hospitais a funcionar bem, circuitos hospitalares bem oleados, e profissionais de saúde que assumem as responsabilidades que têm na procura de vida, numa perspectiva de dádiva, em quem já morreu, para os doentes em lista de espera para transplantação na zona Centro.
É possível melhorar mais nesta área?
Sabemos, pelo exemplo de Espanha, que é possível melhorar bastante mais. Pensamos que o caminho a seguir é o que traçámos. Temos em vista o arranque de programas mais ambiciosos de colheita em coração parado, que esperamos concretizar em 2010, e melhorar a divulgação da possibilidade da doação em dador vivo.
NÚMEROS
331 cadáveres foram aproveitados para a doação de órgãos em 2009, em Portugal, o que equivale a 31,2 dadores por milhão de habitantes 45,2 dadores por milhão de habitantes foi a fasquia conseguida pela região Centro, superando a Espanha, líder mundial, que atingiu os 34,4
929 pessoas foram transplantadas em Portugal em 2009. No ano anterior foram 858
100 médicos, aproximadamente, são coordenadores hospitalares de doação

Fonte: http://aeiou.expresso.pt/transplantes-a-vida-de-quem-salva-vidas=f571235

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