Colheitas para transplante diminuíram mais de 50% nos primeiros seis meses do ano e os especialistas não sabem explicar porquê.
Não há explicação. A colheita de órgãos, em cadáver, para transplante no Hospital de Santa Maria, Lisboa, teve “uma quebra superior a 50% nos primeiros seis meses do ano” face a 2010 e os especialistas não sabem explicar porquê. A coordenadora Nacional das Unidades de Colheita, Maria João Aguiar, afirma que “o conselho de administração e os próprios colegas estão muito preocupados”, adiantando que “vão fazer uma auditoria interna”.
O responsável pelo Gabinete Coordenador de Colheita e Transplantação do Santa Maria – que ‘tutela’ mais sete hospitais na zona Sul -, confirma a estranheza na redução das colheitas e garante que “a avaliação interna está a ser feita e vai demorar pouco tempo”. No entanto, José Mendes do Vale reconhece que a situação “não é facilmente compreensível quando o hospital, os serviços, os diretores, as equipas… são os mesmos”.
A hipótese mais plausível é, para já, um “fator externo, como a diminuição de dadores nos serviços onde são mais comuns – casos da medicina e cuidados intensivos”. E o mistério adensa-se porque no ano passado “o Santa Maria teve um aumento muito significativo das colheitas e que nos encheu a todos de grande satisfação”, diz.
Mas a quebra na recolha de órgãos não afetou só o Santa Maria. José Mendes do Vale explica que a redução “começou a sentir-se a partir de março em todos os hospitais coordenados pelo seu gabinete” – Pulido Valente, São Francisco Xavier, Egas Moniz e Santa Cruz, em Lisboa; Cascais, Vila Franca de Xira e Abrantes. “Na quarta-feira estive reunido com os coordenadores do Egas Moniz e do Francisco Xavier e eles também tiveram redução e também não encontram razões”.
Segundo a Autoridade para os Serviços de Sangue e Transplantação, a quebra neste grupo de hospitais foi de 29%, passando de 31 colheitas no primeiro semestre de 2010 para apenas nove este ano. O valor terá contribuído para que toda a região Sul – que integra ainda o gabinete do Hospital de São José (com a coordenação de mais 16 unidades, como o Hospital do Funchal) -, registe agora menos 24,6% de colheitas. No total do país, no primeiro semestre deste ano recolheram-se menos 1,3% (de 159 para 156) órgãos e fizeram-se menos 3,4% (de 443 para 428) transplantes do que no mesmo período de 2010. Rins e fígado continuam a ser os órgãos mais aproveitados.
Já este ano, o Estado enviou nove doentes, três dos quais crianças, para transplantes no estrangeiro. O pulmão, por cá ainda exclusivo do Hospital de Santa Marta, continua a liderar a procura, e os gastos públicos. Entre janeiro e julho, foram transplantados no exterior cinco doentes – mais um do que em igual período de 2010 -, e gastos 535 mil euros, quando em todo o ano de 2010 a fatura foi de 800 mil euros.
Mas a Direção-Geral da Saúde tem um plano. “A previsão para 2011 é de aumentar a capacidade instalada no Hospital de Santa Marta para assumir 20 transplantes pulmonares, garantindo em 80% a cobertura das necessidades nacionais (25 transplantes anuais), com uma poupança estimável para o SNS de 900 mil euros”. Segundo o responsável pela Unidade de Transplantação Cardíaca e Pulmonar do Santa Marta, José Fragata, até esta semana foram feitos 11 transplantes, mas “com o corte de 50% nos incentivos à transplantação”, decretado agora pelo Ministério da Saúde, “os profissionais não vão estar disponíveis”.
A poupança poderá ser, afinal, “um tremendo erro humano, social e económico”, alerta Fernando Macário, presidente da Sociedade Portuguesa de Transplantação. Mas, o gabinete de Paulo Macedo salientou ao Expresso que “o ministro não tem perfil para voltar atrás”.
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